“À Deriva”, Antonio Pinto

Filme: À Deriva
Diretor: Heitor Dhalia
Ano: 2009
Música: Ausência da Praia
Composição: Antonio Pinto

“Shame”, Harry Scott

Filme: Shame
Diretor: Steve McQueen
Ano: 2011
Música: Unravelling
Composição: Harry Scott

 

Xingu, Cao Hamburger, 2012

Xingu

Xingu

“Xingu”, de Cao Hamburger, é um apaixonante e importante resgate de uma pouco conhecida parte da história recente do Brasil. O primeiro contato com grande número de tribos indígenas, feita recentemente, a pouco mais de 50 anos, com o motivo de povoar, desbravar o país.

O filme nos conta a história desse momento em que o governo brasileiro contratava peões para o desbravamento do seu interior. Aqui, mais especificamente a expedição do Rio Xingu, a historia dos irmãos Vilas Boas.

“Xingu”, como ainda no início se deixa bem claro, é uma adaptação livre sobre uma historia real. É um romance baeado em uma historia real.

O roteiro é de Cao Hamburger, Elena Soarez (Os Desafinados e Cidade dos Homens), e Anna Muylaet (Durval Discos e Proibido Fumar), que também co-roteirizou com Cao o “Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias”.

É um roteiro muito bem escrito. Coloca tudo que tem que colocar no filme. A relação dos irmãos, a diferença de personalidade de cada um deles, a historia da relação deles com os índios e como conseguiram negociar a criação do Parque. Em momento algum, o filme os mitifica. Pelo contrário, os humaniza. Nos explica bem a longa historia desde o primeiro contato até a criação do Parque, sem pulos temporais abruptos. Além de sintetizar muito bem, na mesa onde um latifundiário, um político e um coronel resolvem o futuro do país, um pouco sobre nossa historia e nossa relação com os índios e com a floresta. 

Os 102 minutos de filme nos contarem o importante da história, sem excesso de “paisagens bucólicas” e sem pular o que importa. O roteiro é de uma preciosidade rara nesse tipo de filme.

Essa sequência pra mim é uma das mais geniais do filme. De um lado, os irmãos Vilas Boas e os índios, do outro, três conservadores ligados a alguns dos maiores poderes do país até hoje (militares, ruralistas e políticos). Ainda assim, o resultado final, se provou que a luta pode ser vitoriosa. E melhor ainda, é saber que a história é real. Com meandros de dramatização claro, mas a sua essência é real.

A direção de fotografia ficou a cargo de Adriano Golman, que já havia trabalhado com Cao em “O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias” e com o produtor do filme, o diretor Fernando Meirelles em “360”. A fotografia é correta, sem grandes preciosismos, mas é o que se espera. As belezas naturais falam por si. Os lugares, belos também podem ser perigosos, ostís, por isso o cuidado na fotografia em não somente encantar, mas mostrar um lado mais real. E é esse objetivo direção de fotografia. O realismo. Contrário de “O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias” que remetia a algo mais melancólico, poético e época.

“Xingu” é uma grande produção brasileira, talvez a mais cara produção brasileira dos últimos anos. Seu valor estimado é de 14 milhões de reais. É grandiosa em muitos sentidos, inclusive na coragem, de filmar nos lugares reais por onde os irmãos Vilas Boas passaram. Não é faz de conta, as locações são reais. E isso, quando se fala de cinema, é algo raro e muito caro também.

Ao contrário do que acontece com “Eu Receberia as Piores Notícias de Seus Lindos Lábios” de Beto Brant, aqui, essa locomoção de espaço físico é realmente importante. O lugar, é parte da diegese. A interação com o espaço é algo muito importante. Esse foi um grande acerto do filme.

Soma-se isso a direção segura de Cao Hanburger, que como um dos roteiristas, sabia muito bem o que realmente queria, o que realmente importava. A decupagem é muito bem realizada, sem muitas firulas, mas com certa grandiosidade. As paisagens aparecem sim, mas para nos dar dimensão do país, da mata, do tamanho Parque, e não somente para nos deslumbrarmos com a bela vegetação.

A segurança da decupagem é excepcional. A escolha de cada quadro, do mais simples, do enquadramento de um rosto, aos mais complexos, como o do avião em queda livre, deixando o avião flutuar, nos levando junto aquela sensação de “vácuo”, de desespero, e por fim, ao suspense dos primeiros contatos com os indíos. Cao é um diretor que sabe criar o clima necessário pra cada cena, e também sabe finalizá-las.

Os verdadeiros irmãos Villas Boas

Os verdadeiros irmãos Villas Boas

Outro acerto. A escolha dos atores  e a entrega deles aos personagens. Em especial, o narrador da historia, Claudio Vilas Boas, interpretado por João Miguel. João Miguel dos maiores atores de sua geração. E já havia provado isso em “Mutun”, “Cinema, Aspirinas e Urubus” e “Estômago” por exemplo. Pernambucano, nesses  filmes João sempre fazia papel de personagens nordestinos.

Então aqui João Miguel perde o sotaque e prova que pode fazer muito mais que papeis regionais. Sua interpretação é monstruosa. Talvez por não ser expansiva, mas contida, o que é muito mais difícil. Uma interpretação contida, firme e que nas telas do cinema fica de uma tamanho imensurável. João ganhou o Festival do Rio em 2005 por “Cinemas, Aspirinas e Urubus” de Marcelo Gomes, e em 2011 por “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, de Vinícius Coimbra, ainda inédito.

“Xingu” é um bom filme para se entender um pouco mais da historia política de um dos mais importantes parques de preservação do país, também entender sobre nossa relação com os povos indígenas e mostrar, que os índios não são os vilões como durante anos o cinema, principalmente o americano, nos mostrou.

“Árvore da Vida”, Alexandre Desplat

Filme: “Árvore da Vida”
Diretor: Terrence Malik
Ano: 2011
Música: Rive
Composição: Alexandre Desplat
Trilha Sonora do Filme: Alexandre Desplat

“Tomboy”, Celine Sciamma, 2011

Tomboy Cartaz

Tomboy Cartaz

“Tomboy”, filme da cineasta francesa Céline Sciamma, é um filme acima de tudo, atual, inteligente e leve. Apesar do tema complicado que aborda, consegue manter esse equilíbrio da seriedade, leveza e bom humor.

Em seu roteiro, que é da própria Celine Sciamma, temos uma família que acaba de se mudar para um bairro novo nas redondezas de Paris. Família aparentemente feliz, bem estruturada, pai, mãe e duas crianças.

O filme se inicia com o pai chegando na casa nova, com um dos filhos ao seu lado, dirigindo o o carro com o pai, os dois brincam, estão felizes com a casa nova.

Uma das maiores dificuldades de se falar desse filme é comentá-lo sem estragar algo para seu espectador. A grande questão está justamente em que o casal tem “duas crianças”, e dentro dessa visão é mais fácil entendermos o filme.

A ingenuidade, a visão mais simplória de uma criança, visto claramente no filme na filha mais jovem do casal, ao perceber a condição da irmã e não questionar, é a maior prova de amor mostrada no filme.

O filme não aborda sexualidade, mas sim gênero sexual, pois Laure, a filha mais velha do casal, por mais que sua família nunca tenha questionado, se identifica como “menino”, e assim se apresenta para os colegas de seu novo bairro, então passa a se chamar Michael.

Esse fator nos é trazido naturalmente, sem grandes surpresas, sem ser uma grande revelação. Na verdade, conhecemos primeiro Michael, depois viemos descobrir que ele, é na verdade Laure. Mas também sem grande surpresa ou como a grande revelação do filme.

O gênero sexual de Laure é claramente natural, não é sintoma de revolta ou não identificação familiar, é simples assim. Identificação de gênero sexual.

E assim Laure começa a se relacionar com as crianças locais, com o nome Michael. Brinca como todo e qualquer garoto normal. De futebol, vai a praia, enfim, nada além do normal, nada que um garoto não faria.

A questão é tratada de maneira leve, e até com certo humor, sem que com isso, se faça piada do comportamento, da situação delicada que Laure se encontra. A família é harmônica e sua relação com a irmã mais nova é tocante e chega a emocionar.

A reação de sua família, que antes parecia não perceber nada é incomoda, e ao mesmo tempo compreensível. Julgar ou não o comportamento da mãe? Mais radical, mais passional, chegamos como espectador a sofrer junto com Laure tudo que ela sofre naquele momento. Mas seria diferente? Teria como ser diferente?

Interpretação memorável de Zoé Héron como Laure e Michael. Interpretação delicada, centrada, sensível e acima de tudo séria, ainda mais Zoé sendo realmente uma criança. Chega a nos impressiona e nos questionar, qual seu gênero sexual realmente. De maneira geral, interpretações naturalistas, convincentes. Outro destaque é para sua irmã menor, que como uma criança que ainda não foi superexposta a valores e conceitos sociais, recebe a irmã de uma maneira mais natural, como deveria ser o normal. E também sua mãe, que reage com mais firmeza e passionalmente a situação da filha. Interpretações fortes, porém equilibradas, como o filme.

A fotografia também mantêm o tom realista, como uma boa parte dos filmes franceses prefere manter. Fotografia que combina com o clima do filme. Boa decupagem, realismo, mais uma vez, o equilíbrio presente, se conectando com tudo no filme, mostrando a direção firme e segura de Celine Sciamma.

“Tomboy” é um filme para se ver, pensar, e também para nos questionar. Quanto aos gêneros e comportamentos morais e sociais que temos com o mundo, e em especial com as pessoas. Com certeza, o filme será tema de aulas, de debates, pois, sem levantar bandeiras ou questionar toda essa questão moral e social, ele levanta uma questão séria e que deve ser sim, conversada entre todos.

Jair Santana

“Moça com Brinco de Pérola”, Alexandre Desplat

Filme: Moça com Brinco de Pérola
Diretor: Peter Webber
Ano: 2003
Música: Girl With A Pearl Earring Theme
Composição: Alexandre Desplat
Trilha Sonora do Filme: Alexandre Desplat

Hebemus Papam, Nanni Moretti, 2011

Habemus Papam cartaz

Habemus Papam cartaz

“Hebemus Papam”, filme do cineasta italiano Nanni Moretti, diretor de filmes como “Caos Calmo” e “O Quarto do Filho”, nos conta a historia da escolha mais mítica da igreja, do Papa, e por fim, o Papa, que se recusa a ser Papa. Sim, ao contrário do imaginário popular, no filme de Moretti não há disputa entre os cardeais, e sim o medo de ser escolhido.

Logo no início do filme, durante o conclave na Capela Sistina, vemos o clero escolhendo o nome do próximo Papa, e ouvimos seus pensamentos dizendo “Eu não Senhor, eu não”, em cada um dos membros ali presentes.

E assim caminha o filme de Nanni Moretti, mostrando o quanto são humanos os sagrados e míticos rituais da Igreja Católica, o quanto é humano também, a Vossa Santidade, o Papa.

Moretti coloca, por que não dizer, em debate, o sagrado e o profano, o divino e o humano, em seu filme que podemos então colocar, que se situa entre o drama e a comédia.

Em meio a crise de depressão de um Papa, que em sua juventude gostaria de ser ator, e que literalmente foge do personagem que seria o mais importante de sua vida, o clero chama um psicólogo ateu, para cuidar ajudar esse Papa.

Em uma sessão nada convencional, onde todo clero está presente, o psicólogo vivido por Nanni Moretti tenta conversar com o Papa sobre o porque de sua recusa a assumir o papado, e questiona sua fé.

Embora proibido pela Igreja, em meio a tantos escândalos de pedofilia e corrupção, as críticas de Nanni Morreti são sobretudo sobre o homem, e não a Igreja Católica em si. O diretor enfatiza com o filme, que por mais “divina” que seja a escolha ou a condição de um Papa, todos ali, são acima de qualquer coisa, seres humanos, com todas as angustias e sofrimentos que um homem possa ter.

Com o Papa andando como um homem comum em meio a cidade, um soldado toma seu lugar no quarto, para que o clero fique mais tranqüilo, com a suposta presença de Vossa Santidade. Isso resulta em ótimas cenas sobre o sentimento de se ter um “líder” mesmo que invisível, mesmo que ausente.

A escolha do Papa é esperada pelo mundo todo, o jornalista narra sua escolha como quem narra um grande espetáculo, uma multidão do mundo todo aguarda seu pronunciamento, se mente para o povo não se sentir órfão até que consigam convencer o Papa de tomar posse. Nada mais humano que uma mentira, por mais boa intenção que ela tenha.

Em todo momento, mesmo sem Papa, mesmo sem um líder, o nome do filme se faz justificar, então temos “Habemus Papam”, que ironicamente em latim significa “Temos Papa”.

As críticas e as piadas em torno da Igreja e todo seu mito, são muito menos contundentes do que se esperaria de um diretor como Moretti. Mas ele foi ainda mais feliz, em transformar um tema que realmente poderia ser pesado, porém clichê, em uma comédia deliciosa, e não por isso menos crítica e verdadeira.

Interpretando o Papa, temos Michel Piccoli, um grande e experiente ator que já trabalhou com nomes como Godard, Alain Resnais, Jean Renoir e era um dos preferidos atores de Luis Buñuel. Piccoli dá certa leveza e a humanidade necessária ao personagem. Você até consegue o ver como Papa alí, mas acima de tudo, acredita em seus medos e suas angustias.

Nanni Moretti por sua vez, faz um personagem que se aproxima muito dele mesmo. Um ateu culto e questionador sobre essa política da Igreja. Moretti é um questionador, da política italiana, da igreja, da sociedade de um modo geral.

A fotografia de Alessandro Pesci, que já havia trabalhado com Moretti em “Caos Calmo” é correta, limpa e agradável aos olhos, mesmo nos mostrando toda aquela poluição visual da riqueza e ostentação contida nos palácios da Igreja Católica.

“Habemus Papam” mais que um filme autoral de Moretti, é filme inteligente, mas nada presunçoso, sem arrogância, pelo contrário, é leve, fácil e gostoso de se ver. Um jogo de personagens e situações nunca antes imaginados.

Nanni Moretti está construindo uma filmografia politizada, critica, e também atemporal. Seus filmes ficarão, seu mais antigos filmes continuam atual, sua visão de mundo é libertária, sensível e humana. E esse é o grande charme de seus personagens, de suas historias.

Jair Santana

O Pequeno Nicolau, Klaus Badelt

Filme: O Pequeno Nicolau
Diretor: Laurent Tirard
Ano: 2009
Música: Générique
Composição: Klaus Badelt
Trilha Sonora do Filme: Klaus Badelt

“Mademoiselle Chambon”, Bruno Bertoli e Nicolas Duport

Filme: Mademoiselle Chambon
Diretor: Stéphane Brizé
Ano: 2009
Música: Septembre
Composição: Barbara
Trilha Sonora do Filme: Bruno Bertoli e Nicolas Duport

“Eu Receberia as Piores Notícias de Seus Lindos Lábios”, Beto Brant e Renato Ciasca, 2011

Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios

Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios

“Eu Receberia as Piores Notícias de Seus Lindos Lábios” é o novo trabalho de Beto Brant e Renato Ciasca, com roteiro de Marçal Aquino, que trabalharam em parceria também em “O Amor Segundo B. Shianberg”.

“Eu Receberia…” indiscutivelmente é o melhor trabalho de Brant desde “O Invasor” em 2002. Entre os dois trabalhos, houve filmes que se distanciaram uma pouco tanto do público quanto da crítica, como “Cão Sem Dono” e “Crime Delicado”, e mesmo mantendo a qualidade, nada foi comparável ao maravilhoso “O Invasor”, considerado por muitos o melhor filme da retomada.

Mas parece que o “Eu Receberia…” traz de volta o vigor do cinema de Brant, que ao lado de Renato Ciasca realizam um dos trabalhos mais marcantes do ano.

Na historia é focada em Lavínia, interpretada por Camila Pitanga, que sai do Rio de Janeiro, onde vivia como prostituta, para ser a esposa do pastor Ernani (Zécarlos Machado) em uma pequena cidade no interior do Pará, que convive com conflitos de terra. Na cidade, Lavínia se envolve com um fotógrafo que acaba de chegar na região, Cauby (Gustavo Machado), e acaba vivendo uma grande e tórrida paixão, criando o triangulo amoroso que vai ser o fio condutor da historia.

O filme se utiliza de uma narração não linear, cheia de pequenas elipses temporais que podem chegar a incomodar um pouco alguns espectadores. Mas essas elipses dão um certo charme a narração, um mistério a personagem Lavínia e a toda trama. Nada é muito mastigado, obrigando o espectador a pensar mais em cada personagem.

Lavínia é uma mulher que se divide então entre a alma e o corpo. Sua alma parece pertencer ao marido Ernani. E seu corpo arde de paixão pelo amante Cauby. E Lavínia é a personificação desse conflito entre o carnal e o espiritual, religioso

Ao mesmo tempo, nem uma das historias, nem a de Lavínia e Ernani, nem a de Lavínia com Cauby exclui o amor. São relações diferentes, mas sim, em cada uma delas existe o amor, e isso fica provado na insistência e na entrega de cada um a sua musa.

Esse conflito interno da personagem é interpretado com uma entrega pela atriz Camila Pitanga que chega a impressionar. Vencedora, merecidamente, do prêmio de melhor atriz no Festival do Rio de 2011, Camila parece possuída pela personagem, que toma conta do seu corpo, seu olhar, de sua alma.

Camila é um raro tipo de atriz muito versátil. Pode tanto interpretar uma mulher comum, e esconder um pouco sua enorme beleza, como pode mostrar-se como um mulherão, uma mulher fatal, com seu rosto fino e suas belas formas. E o melhor, é que ela aprendeu a utilizar essa versatilidade como poucas.

A fotografia de Lula Araújo é correta, bons planos, boa luz, mas nunca roubando a cena, fazendo melhor, casando muito bem a boa luz natural que a região oferece nas várias externas do filme.

O roteiro de Marçal Aqui, Brant e Ciasca, é envolvente, bem contado, enxuto. Baseado no livro homônimo de Marçal, o roteiro resolve excluir a maioria dos personagens secundários para se concentrar no triangulo amoroso. Um acerto total para o filme.

Os diretores escolheram acompanhar seus personagens aproximando-os sempre do espectador. Na maioria das vezes nunca sabemos mais que os próprios personagens em cena. Os fatos são revelados ao espectador ao mesmo tempo que para os personagens.

Outro ponto forte do filme é a participação de Gero Camilo como o jornalista local Viktor Laurence, que parece um tipo de “grilo falante” do fotógrafo Cauby. Viktor é o único personagem importante fora do triangulo amoroso, e é o causador do grande estopim da trama. Viktor é um personagem delicioso, sarcástico, inteligente e dúbio. Nunca sabemos se herói ou vilão. Podemos dizer que, é um jornalista.

O lugar da trama é o interior do Pará, mas poderia ser qualquer lugar onde a lei, não depende muito da polícia, ou a ordem local simplesmente difere dos grandes centros urbanos. Na verdade, fica parecendo que o lugar é o que menos importa.

Jair Santana

Entrevista com Rodrigo Mac Niven

Rodrigo Mac Niven, é um diretor, digamos quase que estreante. Formado em jornalismo, Rodrigo também estudou cinema na Califórnia, e ao voltar trabalhou em várias produtoras cariocas principalmente trabalhando com vídeo-jornalismo. Seu primeiro curta é “A festa”, exibido em alguns festivais pelo país, posteriormente abriu sua própria produtora, a TVA2 Produções com a sócia e produtora executiva Mariana Genescá.

Já na TVA2, onde trabalha com publicidade, institucionais e projetos da própria produtora, realizou o média metragem “Ei, you! – O Haiti antes do terremoto”, exibido recentemente no canal GNT. “Cortina de Fumaça” é seu primeiro longa metragem. Produção totalmente independente, Rodrigo não esperou financiamento das leis de incentivo fiscal para realizar seu projeto. É um filme totalmente autoral, produção TVA2 Produções e J.R. Mac Niven Produções, uma segunda produtora ligada também a sua família.

“Cortina de Fumaça” é um filme polêmico, levantando um debate a política de drogas, entrevistando alguns dos mais respeitados especialistas no Brasil e no mundo. O filme que estreou no Festival Internacional do Rio em 2010, já foi convidado para seleção oficial de diversos festivais nacionais e internacionais, como Festival de Tiradentes, Festival de Cinema Brasileiro em Milão, Brazilian Film Festival of New York,Festival du Cinema Brasilien de Paris, Brazilian Film Festival of London, Cine Fest Brasil Buenos Aires e continua recebendo convites para inúmeros outros festivais.

Rodrigo está buscando caminhos para exibição do “Cortina de Fumaça” no grande circuito no Brasil, entre esses caminhos, também busca meios alternativos de exibição como parcerias com salas de cinema e mesmo mobilização via internet, e para isso brevemente criará um blog para movimentar essa mobilização, e com isso, criar meios para que consiga exibir seus filmes sem estar preso a nas “garras dos executivos burocratas” como ele classificou, e ainda com isso, abrindo caminhos parta outros diretores também exibirem seus filmes.

Costumo comparar o olhar questionador dos filmes de Rodrigo com certa proximidade com o estilo do documentarista americano Michael Moore. Sempre abordando assuntos incômodos a olhar da sociedade comum, de governos e fazendo seu público repensar seus conceitos.

Na entrevista concedia por email, Rodrigo fala mais diretamente sobre o seu processo de trabalho para se chegar ao “Cortina de Fumaça”, e avisa que já trabalha em novo projeto também autoral e continuando sua linha de trabalho, também questionador.

ENTREVISTA
JairSantana: Em primeiro lugar, algo que me chamou atenção foi a liberdade com que foi abordado o tema. O filme é totalmente independente. Não se vê lei de incentivo fiscal ou alguma grande empresa patrocinando. É um filme autoral acima de tudo. Inicialmente você chegou a pensar em captar dinheiro através de leis para produção do filme ou desde o inicio você descartou essa idéia?
RodrigoMacNiven: Confesso que pensei nisso mas rapidamente abandonei a ideia. Não vou entrar aqui na questão dos processos de incentivo que o Brasil inventou para fomentar o cinema e a produção e que acabou atravancando essa mesma produção. Fazer um filme que já está pago… esquisito. Mais esquisito ainda são os mecanismos de seleção dos temas… quem escolhe é uma mesa diretora de uma grande corporação que tem seus interesses próprios. Mas aqui não é palanque para falarmos sobre isso… mas justamente por isso e pelo tema do filme ser extremamente polêmico é que abandonei a ideia de onter qualquer “ajuda” do governo.

Jair: Como foi o processo de produção do filme para viabilizar sua realização? E há quanto tempo está trabalhando nesse projeto?
Rodrigo: O projeto demorou dois anos desde o inicio das pesquisas até a finalização e exibição no Festival de Cinema do Rio, ano passado. A viabilidade se deu muito pelo fato de eu ser sócio- diretor de uma produtora, podendo, assim, utilizar sua estrutura de câmera, edição e finalização. A produção propriamente dita foi feita por mim mesmo. Muitos emails e telefonemas…rs

Jair: É aparente no filme um trabalho de pesquisa muito grande para se chegar aos nomes que você chegou. Como foi isso? Como aconteceu a pesquisa, como se iniciou o processo para esse tema tão polêmico? O filme abre um debate muito interessante, mas como foi que você chegou até lá?
Rodrigo: O tema sempre interessou, mas eu nunca tinha mergulhado em pesquisas. Até o dia em que li uma livro chamado MACONHA, do jornalista Denis Russo, então editor especial da revista Superinteressante. Depois que li esse livro e constatei minha total ignorância sobre o assunto, tinha certeza que precisava fazer esse filme.
Aí foi um ano lendo MUITO, pesquisando, falando com pessoas… até a hora quando decidi parar de “estudar” o tema e começar a gravar.

Jair: Senti falta de uma abordagem a quem questionasse a idéia central do filme, o que seria interessante para abrir mais o debate. Isso foi proposital, houve entrevistados que ficaram de fora?
Rodrigo: A ideia sempre foi ENRIQUECER a discussão e não defender nenhum ponto de vista. Pra isso, pensei num debate de idéias. Tudo mudou quando me deparei com uma quantidade gigantesca de informações novas sobre as quais eu não tinha qualquer conhecimento. Quem já ouviu falar em sistema endocanabinóide? Que o nosso cérebro produz “sua própria maconha”? Independente da minha opinião, ou da opinião de qualquer outra pessoa, isso é ciência, não está em discussão. Ela pode avançar e mudar amanhã, mas hoje é o que já se sabe. Isso é INFORMAÇÃO. Como você pode construir um debate honesto sem saber disso? Esse é apenas um exemplo. Quase tudo que é discutido no filme é novidade. Foi novidade pra mim e certamente será para todos que assistirem. Quando percebi isso, resolvi que não haveria espaço para debate, mas sim para INFORMAÇÃO, elemento fundamental para ENRIQUECER o debate, o que sempre foi o objetivo do filme.

Jair: Não acha que o filme, apresentando opinião em um só sentido fica tendencioso?
Rodrigo: O filme não apresenta quase nenhuma opinião. Opinião é diferente de ciência, fatos baseados em pesquisas. O que se vê são informações nunca (quase nunca) antes ditas. É natural que as pessoas se choquem… como se chocaram quando o primeiro “maluco” falou que a terra não era plana, ou quando o sol é que era o centro do universo, ou quando questionou a escravidão, o direito de voto pelas mulheres, o direito dos homossexuais… a lista é grande. Hoje, a “droga” é o mal… como foram as bruxas. Caramba, o Iluminismo já foi faz tempo e tem gente ainda na escuridão.

Jair: Tem medo de ser acusado de fazer apologia? Por mais que os entrevistados sejam pesquisadores e estudiosos reconhecidos.
Rodrigo: Discutir um assunto de forma honesta, levando em consideração fatos científicos não pode ser apologia. Aliás, apologia, pra mim, é censura mascarada de “boas intenções”. Exemplo clássico do “lobo vestido de cordeiro”. Quem vai dizer o que posso ou não conversar na mesa de bar? Assim acontece nos regimes totalitários. Na raiz está a ideia de apologia, que na verdade, traduzindo honestamente, é proibir alguém de falar sobre determinado assunto. Isso, pra mim, é censura e ponto. Deixe que as pessoas “censurem” as coisas naturalmente. Isso acontece a todo momento quando escolhemos que livros iremos ler, que programas veremos na TV, etc.

Jair: O filme tem entrevistados muito importantes. Tanto nacionais como internacionais. Pensa em carreira internacional para o filme?
Rodrigo: Já está tendo. Estamos em vários festivais fora do Brasil. Vale acompanhar pelo site http://www.cortinadefumaca.com

Jair: O filme vai de frente a muita coisa que a mídia e os governos informam. Acha que pode ter uma boa carreira internacional ou encontrar mesmo que indiretamente de um dos dois lados algum tipo de censura? Você se preparou pra isso?
Rodrigo: Não acho que vai rolar censura justamente porque são entrevistados de peso, de muita credibilidade. Isso fez toda a diferença.

Jair: Falando da parte técnica do filme. Quem foi a equipe que viajou com você?
Rodrigo: Todas as gravações fora do Brasil foram feitas por mim. Fui sozinho. Trabalhei muito tempo dessa forma em produtoras e me capacitei para isso.
No Brasil, como tenho a produtora, contei com equipe maior…maior assim… 2 a 3 pessoas. rs

Jair: A fotografia é muito bem realizada. O som idem. Não identifiquei problema de som em momento algum, algo ainda um tanto comum no cinema brasileiro E algumas tomadas externas, em especial no Rio de Janeiro, e vê as favelas de uma maneira jamais mostrada. Dá para se ter uma dimensão do mundo de favelas que cercam o Rio, como eu nunca tinha visto. Elas parecem grandes ondas sobre a cidade. E a edição e finalização são suas?

Rodrigo: Edição e finalização também. Adoro editar, é onde o filme se materializa como obra completa. A finalização de cor eu fui buscar fora da minha produtora.Jair: “Cortina de Fumaça” foi selecionado para o Festival do Rio, que é o festival de maior visibilidade do país, e teve algumas exibições em São Paulo em um cinema independente. Existe distribuidor interessado ou algum contato já com distribuidora? Ou está difícil essa distribuição por causa do tema do filme?
Distribuição é complicado… estamos trabalhando nisso, buscando alternativas. Acho que o tema não é um problema, muito pelo contrário, tendo em vista o “naipe” dos entrevistados. Mas como o filme foi independente, precisamos de parceiros que percebam a potencilaidade do filme, que vem arrancado aplausos calorosos em todas as exibições nos festivais e em exibições pontuais que estamos fazendo.Jair: Como pensa nessa distribuição? Penso que esse filme é essencial para um debate aberto sobre o tema. Existe algum plano que facilite o acesso do público ao filme?
Por enquanto não. Queremos colocar no “circuito tradicional” para chamar a atenção do grande público e da mídia. Isso é fundamental para o debate do assunto.

Jair: E a comparação ao Michael Moore? Um documentarista polêmico e ousado. Como tem recebido isso? Vai manter a mesma linha em seus próximos trabalhos? Já pensa em um novo projeto?
Rodrigo: A comparação é inevitável e tomo isso como um elogio. Ele me inspirou a fazer docs assim. Confesso que não curto muito os docs contemplativos da pobreza, miséria ou loucura dos desafortunados. Prefiro fazer pensar para evoluirmos como sociedade. Sim, já iniciei outro projeto… também independente e questionador.

“Melancolia”, Lars Von Trier, 2011

Melancolia

Melancolia cartaz

Difícil falar sobre “Melancolia” sem citar um pouco da obra de Lars Von Trier. Com seus personagens densos, ele é um dos mais primorosos diretores de atores que temos no cinema hoje. Afirmo isso, apontando quatro trabalhos surpreendentes de suas atrizes: Bjork em “Dançando no Escuro”, Charlotte Gainsbourg em “Anticristo”, Nicole Kidman em “Dogville” e Kirsten Dunst no seu recente “Melancolia”. Dessas, três são vencedoras do prêmio de melhor atriz em Cannes.

Em “Melancolia” ele volta a trabalhar com Charlotte Gainsbourg, e pela primeira vez com Kirsten Dunst. Conta a historia de duas irmãs Claire e Justine, Charlotte e Kirsten respectivamente.

Como feito em outros filmes seus, “Melancolia” é dividido em partes. Aqui, em prólogo e dois capítulos. “Justine” e “Clarie”. O equilíbrio, o paradoxo das duas irmãs é a grande questão do filme.

Em um primeiro momento, o casamento de Justine é o grande acontecimento. Tudo filmado lembrando muito “Festa de Família” de Thomas Vinterberg (filme do Dogma 95 do qual Lars fez parte), câmera na mão, a família levantando suas questões ao redor da mesa, a luta do ritual de um casamento perfeito, a exigência de todos pela felicidade de Justine, sem se importarem pelo que realmente está acontecendo no interior da personagem.

Justine é depressiva, e antes mesmo do casamento já dava sinal de sua depressão, está confusa quanto ao que quer, e se deixa levar pelo que pedem dela.

Vamos conhecendo os personagens, entre eles, o forte e milionário John (Kiefer Sutherland ) que foi quem pagou o casamento, sempre seguro e objetivo, o pai (John Rurt) um mulherengo despojado e desapegado, a mãe Gaby (Charlotte Rampling ) uma mulher amarga, fria e ríspida.

Em meio a tudo isso, Justine tem um noivo Jack (Stella Skarsgard) totalmente apaixonado e entregue, fazendo tudo para que ela se sinta feliz, e pedindo, mesmo que sutilmente, que seu futuro seja feliz e duradouro ao seu lado.

Tudo corre para que Justine se adapte a um modo de vida que todos acham que é o “modo feliz de ser”. Ter um marido apaixonado, e que construa uma família feliz, ter um bom emprego com uma carreira brilhante, mas nada daquilo lhe preenche realmente.

Logo, no decorrer de sua historia, ela vai se despindo de todos esses rituais e exigências que lhe fazem. Vai deixando de lado tudo que lhe prende, e se entregando a sua depressão.

Em contraponto, sua irmã Clarie, tem tudo o que se exige para ser feliz. Ela tem um marido apaixonado e rico, uma filho bonito e saudável, sua vida parece totalmente estruturada.

E nesse segundo capítulo, denominado “Clarie”, que Lars trás a ameaça do planeta que vem destruir a terra. E ameaçada, Clarie sente que pode perder tudo que tem, e isso começa a deixá-la nervosa, ansiosa e com medo.

O marido John, é seguro que nada irá acontecer de mais grave. Permanece forte, de certa forma até como grande protetor de sua família. Acredita no que diz a ciência apenas. Mas é também o que se mostra mais covarde quando a ameaça se aproxima.

O forte se revela mais frágil diante do perigo, enquanto o que até então, julgamos mais fraco, se fortalece, se entrega sem desespero ao destino que lhe é confiado. Como na cena em que Justine, deita nua a luz do planeta Melancolia, como quem se entregasse totalmente a ele. Sem medo. Sem nada a temer, nada a perder. Justine representa o lado místico, como quando fala que “apenas sabe” que estamos sozinhos no universo, e quando acabarmos, tudo acaba. Saber como? Não existe um porque, digamos, lógico.

O filme nos coloca o tempo todo entre dilemas, da ciência e do místico, nos questionando sobre a felicidade, a relação que cada um de nos tem com a vida e com a morte. Nos faz lembrar, do pontinho que somos em um universo solitário.

O roteiro também é do próprio Lars Von Trier. É um roteiro bem amarro e até careta no seu formato. Prólogo, apresentação, um desenrolar cronologicamente confortável ao espectador, divisão em capítulos dando um ar literário ao filme. Tudo claro e muito bem realizado.

Lars também tem se mostrando um diretor muito visual. Assim como em “Anticristo”, “Melancolia” tem um trabalho incrível com imagens. O seu diretor de fotografia aqui é o chileno Manuel Alberto Claro, e nunca havia trabalhado com Lars, pode partir daí uma boa parceria. A fotografia é belíssima, mesmo que venha acompanhado de muitos efeitos visuais adicionados na finalização.

A música tema do filme é de Richard Wagner, da ópera “Tristão e Isolda”, que cai perfeitamente no filme. A música é densa, forte e realmente, melancólica. Pra quem não conhece a ópera, a música realmente vai ficar com a “cara” do filme.

Muitos afirmam que o diretor é apelativo e pessimista com seu filme. Apresentando um fim do mundo sem a mínima salvação pra ninguém. Nem ao menos a tentativa.

Mas ao contrário de outros filmes de Lars, e mesmo do que podemos ver na tela, discordo quando se fala que o filme é somente trágico e negativo. Ele nos trás esperança. Não na continuação, não talvez na vida, mas trás uma esperança mais ampla, da de nos entendermos, nos aceitarmos, e aceitarmos o que nos acontece. E essa é a grande questão.

Jair Santana

“A Época da Inocência” – Elmer Bernstein

Filme:“A Época da Inocência”
Diretor: Martin Scorsese
Ano: 1993
Música: Van Der Luydens
Composição: Elmer Bernstein
Trilha Sonora do Filme: Elmer Bernstein

“Copacabana”, Marc Fitoussi, 2010

"Copacabana" Cartaz

Apesar do nome, no filme francês “Copacabana”, não se verá uma cena sequer da praia e nem mesmo de qualquer parte do Brasil. E apesar disso, o Brasil, em especial o Rio de Janeiro, se fez muito presente em todo filme. Seja na trilha sonora toda composta de músicas brasileiras, seja no sonho da personagem principal de conhecer o Brasil.

“Copacabana” é sexto filme de Marc Fitoussi, diretor francês que com esse trabalho, conseguiu sua maior projeção de público e crítica, participando da Semana da Critica do Festival de Cannes e na mostra Panorama Mundial do Festival do Rio.

O roteiro conta a historia de Babou (Isabelle Ruppert), uma mulher, digamos fora do comum. Sem emprego fixo, espontânea, alegre e solteira, Babbou leva uma vida fora dos padrões convencionais. É mãe de Esmeral (Lolita Chammah), que é totalmente avesso e contra o comportamento da mãe. Por esse motivo, Esmeralda não a convida para seu casamento, com medo que ela a embarace na frente de todos.

O filme poderia se concentrar, para o bem ou para o mal, somente nessa relação mãe e filha, mas vai para outro lado. Tenta captar o passo a passo na vida de Babbou. E o espectador passa a se apaixonar por esse personagem, digamos, “louquinho”. E essa relação mãe e filha, é apenas parte de sua historia.

Babbou tem o grande sonho de conhecer o Brasil, “Adoro a música brasileira. Esse país sempre me fascinou” afirma ela em determinado momento. Seu objetivo é guardar dinheiro para realização desse sonho. Ela consegue um emprego como vendedora de apartamentos “time-sharing” em Ostende, uma espécie de balneário da Bélgica, e se muda pra lá.

Curioso observar, as tomadas aéreas naquela cinzenta praia, ao som de músicas brasileiras, como samba e MPB, como se fossem as praias cariocas, como Copacabana por exemplo.

A câmera cola em Babbou. Em mais de 90% do filme, Isabele Huppert está presente em frente as câmeras interpretando a deliciosa Babbou. Estabanada, avessa a obedecer normas, o que lhe causa problemas no trabalho, e também a relacionamentos mais sérios. Ela é até certo ponto, ingênua, mesmo quando magoa seu parceiro por exemplo, é impossível ficar com raiva de Babbou.

O Brasil do sonho da personagem é o Brasil do imaginário gringo. É o país da bossa nova e do samba que estão presentes na trilha sonora. Sempre alegre, o Brasil das mulatas, dos amantes latinos. É o Brasil que não existe, ou melhor, que existe somente nos sonhos. Por isso mesmo, muito bem usado, a imagem do país não sai do cartão postal.

No final do filme, Babbou tem contato com um grupo de samba brasileiro, cheio de mulatas, penas, e pouca roupa, que vai se apresentar na festa de casamento da filha.

Como grande parte dos gringos, Babbou se encanta e dança desengonçadamente entre os sambistas e mulatas. É o ápice desse Brasil “exótico” presente na cabeça dos gringos

O que poderia ser perigoso, o fato de ter a personagem em quase todas as cenas do filme, acaba por se tornar uma das melhores coisas e “Copacabana”. Isabelle Huppert está mais uma vez maravilhosamente bem. Leve, a vontade, Babbou é bem diferente da maioria de seus personagens. Huppert é ganhadora de 2 prêmios de melhor atriz em Cannes e tem recorde de indicação ao Cesar, o maior prêmio do cinema francês.

A curiosidade aqui fica por conta de Isabelle contracenar com Lollita Chammah, mãe e filha na ficção, são mãe e filha na vida real. Essa foi a primeira vez que as duas trabalham juntas.

A fotografia é da experiente fotógrafa Hélène Louvart, que recentemente trabalhou com Win Wenders em “Pina”. Em “Copacabana” a fotografia é comportada, sem grandes firulas, sem grandes momentos. Correta, mas comportada. Sinto falta de uma certa ousadia, ou mesmo planos mais trabalhados.

A trilha sonora é composta somente de músicas brasileira, que vai de “Canto de Ossanha” interpretado por Astrud Gilberto, passando por “Partido Alto” do Chico Buarque, e também o som de Jorge Ben ou de Marcos Valle. É delicioso e curioso ouvir essas músicas totalmente atreladas ao cinema francês.

“Copacabana” é uma comédia divertida, com uma pitada de drama, mas acima de tudo uma comédia. Serve para repensarmos conceitos de vida, conceitos de felicidade e nos questionarmos quanto ao temos como “correto”. Babbou foge disso, vai contra todos os padrões, e mesmo assim, consegue a sua maneira ser uma mulher feliz.

Jair Santana

“Potiche – A Mulher Troféu”, Philippe Rombi, 2010

Filme: “Potiche – A Mulher Troféu”
Diretor: François Ozon
Ano: 2010
Música: Potiche Theme
Composição: Philippe Rombi
Trilha Sonora do Filme: Philippe Rombi