“Reencontrando a Felicidade”, John Cameron Mitchel, 2011

Reencontrando a Felicidade

Reencontrando a Felicidade

“Reencontrando a Felicidade” é o terceiro longa do já cultuado diretor John Cameron Mitchell. Seus primeiros trabalhos, “Hedwig”“Shortbus”, são bem diferentes e mais, digamos, undergrounds que “Reencontrando a Felicidade”.

O roteiro é de David Lindsay-Abaire, baseado em roteiro de sua própria peça, vencedora de vários prêmios na Broadway, incluindo o de Cynthia Nixon (a Miranda de Sex and the City 2), que ganhou um prêmio Tony, espécie de Oscar do teatro americano, por seu papel de mãe em luto, personagem de Kidman no filme, que pelo personagem concorreu ao Oscar.

Basicamente, “Reencontrando a Felicidade” é um filme sobre perdas. Talvez, a pior delas que a perda de um filho. Porém, diferente do que se pode imaginar de um filme com essa temática, o filho não faz parte fisicamente do filme. Não temos contato diretamente com ele, pois a historia começa após oito meses a morte de Danny, o filho casal Becca (Nicole Kidman) e Howie (Aaron Eckhart), que até então, levavam uma vida que se pode chamar de “perfeita”.

O mergulho no drama dos dois é apresentado lentamente, Danny quase não é apresentado fisicamente ao espectador, exceto em uma cena que não dura mais que alguns poucos segundos em um vídeo de Howie, talvez para fechar ao espectador, a real existência de Danny na vida dos dois. Essa presença é percebida principalmente pelo quarto, pelos desenhos, brinquedos, roupas, em cada detalhe da casa, da vida cotidiana dos dois.

A grande diferença do modo de lidar com essa perda é que o foco principal do filme. Trabalhar essa ausência ou simplesmente tentar apagar as lembranças? É possível apagar?

Enquanto Becca tenta apagar tudo que remeta ao filho e a época feliz que eles viveram e que não voltará mais, Howiw tenta lembrar com carinho e lidar com a perda tentando voltar a sua vida normal.

Pela historia, o filme teria tudo para ser um grande melodrama, cheio de clichês piegas e manipuladores. Mas não, “Reencontrando a Felicidade” vai em caminho contrário a isso. Justamente esse ponto torna o filme mais interessante que a grande maioria sobre o assunto.

Porém isso não torna o filme menos denso e menos triste. Mesmo sem ver a criança, nos envolvemos com o drama do casal, a historia vai sendo apresentada devagar, e na mesma velocidade vamos nos envolvendo, e cada vez mais vamos conhecendo os fatos.

Interessante em certo momento observar, a ida de Becca ao antigo emprego, que abandonou quando perdeu o filho. Após oito meses as coisas mudaram. Alguns colegas não estão mais por lá, outros foram promovidos, ou seja, as coisas continuaram, a vida continuou, ao contrário da personagem que ficou congelada, parada desde então.

A produção do filme é da própria Nikole Kidman, por se interessar na historia, sem mesmo chegar a assistir a peça na Broadway. Marcou um encontro com David Lindsay e seu produtor para comprar os direitos da peça. Esse interesse pelo papel foi muito feliz. Nicole concorreu ao Oscar, Globo de Ouro e vários outros prêmios pelo mundo. É o melhor personagem de Nicole desde Grace de “Dogville”.

Outro destaque no filme é a participação da experiente atriz Diane Wiest como Nat, mãe de Becca. A personagem passou por um problema parecido, e perdeu um filho, por outro motivo. Diane só não chega a roubar a cena porque Nicole está igualmente bem no papel. Diane também concorreu a vários prêmios. Esse é mais um grande personagem dessa talentosa atriz. Seus momentos no filme são fortes e fundamentais.

A direção de Mitchel veio a partir de uma historia pessoal sua, pois aos 14 anos Mitchel perdeu um irmão de apenas 10 anos, e sua família não conseguiu superar completamente esse perda até hoje. Talvez daí a delicadeza e a sensibilidade no tratamento do tema.

A fotografia de Frank G. DeMarco também é um ponto positivo no filme. Predomina o ocre, o sépia, principalmente em cenas na casa, como em fotos antigas, remetendo sempre a lembranças, ao passado. Frank já havia trabalhado antes com Mitchel em “Shortbus”.

A música de Anton Sanko é de grande sensibilidade, melancólica mas não demasiadamente triste. Anton equilibra bem cordas e o suave toque do piano para demonstrar o atual cotidiano arrastado do casal. A trilha sonora é um ponto forte do filme.

“Reencontrando a Felicidade”, é mais um acerto na carreira de John Cameron Mitchell, mais um acerto na carreira de Nicole Kidman e todos os envolvidos. Um filme belo, atemporal, de sensível, que não teve a repercussão que merecia, que não teve o público que merecia, mas que como todo bom filme, pode ser descoberto e redescoberto por qualquer um a qualquer tempo.

Jair Santana

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